domingo, 23 de janeiro de 2011

A RECONSTRUÇÃO DA VIDA HUMANA APÓS TRAGÉDIAS




Vimos acompanhando por meio das diversas mídias o que vem acontecendo na região serrana da cidade do Rio de Janeiro. As fortes chuvas vem causando inúmeras mortes naquela região do estado, e a tragédia já soma mais de seiscentos mortos (até a conclusão desse artigo), de acordo com as notícias veiculadas. A força da água já levou crianças, adolescentes, adultos, idosos entre outros ao óbito em meio aos muitos desabamentos de terra. Mais uma tragédia que assola a cidade maravilhosa. São muitas as pessoas e entidades que já se colocam dispostas a ajudar aos desabrigados que surgem dia a dia mais e mais.

Mas o que podemos dizer do emocional de uma pessoa que vive tal situação traumática? Será possível superar tamanha dor surgida em decorrência de tantas perdas, sobretudo àquelas ligadas à vida humana? O que se poderia fazer para que se consiga amenizar tanto sofrimento? O que resta após isso tudo para tantos sujeitos? São muitas as equipes e os profissionais habilitados e treinados para o enfrentamento de situações como essas. No contexto da ciência psicológica existe uma linha teórica destinada exclusivamente à ação do profissional da psicologia em meio aos desastres de toda a forma. E muitos já atuam nessa área específica em diversos espaços pelo país afora.

Naturalmente, o que se tem a dizer sobre tal tema circula um tanto em meio às obviedades. Um sujeito que passa por uma experiência trágica, como o que estamos acompanhando nos veículos de comunicação, vive a dor, o horror e o sofrimento que, para sempre, de uma forma ou outro, se farão presentes em seu aparelho psíquico, e subjetividade de forma geral. A vivência da tragédia vai potencializar e atualizar a experiência traumática de tempos idos – experiência traumática infantil. E isso vem, naturalmente, tal qual uma força a desintegrar e desorganizar o sujeito em todas as suas bases constitucionais. Vale lembrar que o sujeito é algo poupado da dor todas as vezes em que uma perda se faz anunciar de modo antecipado, lento e ininterrupto. Dito de outro modo: sempre se sofre menos quando se já se sabe, de antemão, que o pior está prestes a vir. Nessa situação, o ser da fala se prepara e se protege psiquicamente para aquilo que está pertinho de vir. E tal defesa realmente funciona! Diferente disso foi o que se deu com os moradores das cidades serranas cariocas: sequer tiveram tempo hábil para tal preparação. O pior veio do céu sem avisar, trazendo inúmeras perdas, e dentre elas as vidas dos amigos e familiares. Perdas essas que exigirão maior esforço, sob o prisma do tempo e do dispêndio da energia psíquica a ser investida, para que se dê uma recuperação emocional plena. A tragédia inesperada cai na mente dos sujeitos tal qual uma forte e feroz tromba d’água – fazendo gerar inúmeros estragos e desabamentos emocionais intrapsíquicos. É, mesmo, como se água que inundou praticamente todas as cidades afetadas levasse, também com ela, parte do ser dos sujeitos atingidos!

A ajuda e o apoio vindos das maneiras mais diversas podem, sim, funcionar de modo a atenuar parte da dor e do rombo emocional que a tragédia fez surgir. Afinal, é sempre bom, prazeroso e reconfortante saber que sempre existe alguém que se preocupa como o sujeito, e que quer o seu bem. A ação solidária vinda de todos os cantos – e da forma que puder vir – sempre funciona de modo a permitir alguma integração e restauração emocionais frente às perdas. Já é, mesmo, um importante auxílio para que se tenha êxito, ao fim, do trabalho de luto que cada desabrigado se viu forçado a fazer. Não restam dúvidas: toda forma de ajuda tende a operar de modo a minimizar a dor e o sofrimento que, de regra, são infinitos em situações traumáticas como essa.


Também não podemos nos enganar: o pleno restabelecimento emocional e subjetivo dependerá, mesmo, do fator tempo. Ele será o grande mestre para o curativo, cicatrização e fechamento por completo das feridas psíquicas. E também é fato que, para muitos, se não para todos, jamais se conseguirá cicatrizar a ferida de modo completo. Ficará a ideia de que o mesmo poderá voltar a acontecer a qualquer momento – com tudo que isso possa vir a significar no solo dos fenômenos comportamentais para todos os sujeitos envolvidos com tal situação adversa. Restarão sempre alguns destroços futuros em meio à subjetividade. Tal como se o sujeito estivesse prestes e desmoronar a qualquer momento, e diante do pior que poderá brotar de novo de modo inesperado. Pois, de fato, conquistas tidas após investimentos de toda a vida, de uma hora a outra, foram tragicamente perdidas. E, para muito além das conquistas materias, foram também levadas, pela força destrutiva das águas, laços afetivos fortemente construídos, a saber, aqueles ligados aos entes mais queridos. O pleno restabelecimento psicossocial não será, mesmo, fácil de ser alcançado.


A expressão da linguagem, mais precisamente por meio da fala, poderá operar com êxito também para o alívio da dor, e fechamento das muitas feridas emocionais advindas de tal experiência traumática. Quando se dá ao sujeito traumatizado a oportunidade para falar do seu sofrimento, ele, de forma paulatina, vai se vendo com maiores recursos internos para o enfrentamento daquilo que ainda resta no campo do pior. Sendo assim, pessoas que se colocarem dispostas a ouvirem o sofrimento a que o outro passou muito podem ajudar nesse difícil momento da vida do sujeito, e, ainda mais, o profissional habilitado e competente para tal. O acompanhamento psicológico dos sujeitos vítimas de todo o tipo de tragédia (natural, ou não!), continuado, ininterrupto e de longo prazo poderá, maciçamente, fazer com que o sujeito se reconstrua e se restabeleça rapidamente sob todos os aspectos. A palavra é, mesmo, um valioso antídoto contra aquilo que há de pior. E ele possa, então, voltar à vida – com tudo o que isso possa significar.
Um abraço. E até breve!



Robson Mello
Psicólogo e Psicanalista
psicmello@uol.com.br

2 comentários:

  1. Oi amigo:
    Parabéns pela bela contribuição psicológica, que expressa uma reflexão profunda sobre a dor de um povo tão rico em cultura e de identidade acolhedora.
    Essa dor das perdas emocionais e materiais, serão objeto de análise pessoal e institucional em busca da recuperação da auto-estima que mergulhou nas águas.
    O Rio de Janeiro continuará sendo Lindo, visto que a alma carioca é encharcada de amor.
    Excelente texto.
    Forte abraço, felicidades.

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  2. Querido Dan,
    tal qual você, seu blog expressa inestimável valor humano - com muita propriedade e inteligência. Tudo ficou, mesmo, muito bonito e útil às ideias! Parabéns pelo extenso e profícuo trabalho! Gostei muito, e já participei da enquete sugerida para a avaliação do blog. Fiquei muito feliz, e me sinto também muito honrado com a possibilidade que você me deu de poder tornar virtualmente público (!) o meu texto. Muito obrigado. Continue. Vá em frente! Beijos. Robson.

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