quinta-feira, 14 de abril de 2011

CONSIDERAÇÕES SOBRE O MASSACRE DE REALENGO/RJ: Por Robson Mello

 
O tempo atual é propício, mesmo, para a produção das muitas teses e hipóteses sobre o que pode ter motivado um jovem a realizar um massacre numa escola pública da zona leste carioca, no bairro de Realengo. As mortes somam o número de onze adolescentes, meninas em sua maioria, na faixa etária que variava de doze a quinze anos. Naturalmente que muitos não conseguem entender completamente as motivações mais intrínsecas acerca desse hediondo crime. Também não faltam especulações! Poder-se-ia adentrar numa vasta seara sobre transtornos mentais de ordens psicológica e psiquiátrica envolvendo inúmeras questões diagnósticas e sua infinita sintomatologia, mas, ora, não é isso o que se pretende com tal artigo. E também não nos restam dúvidas: por mais que qualquer profissional se esforce a dar precisa orientação científica sobre o que pode ter contribuído para que uma mente humana se pusesse pronta a executar tal ato bárbaro e covarde, nada, ao final, parecerá ser capaz, mesmo, de justificá-lo em última instância e, sobretudo, gerar alívio n’alma dos muitos pais que perderam seus filhos de forma tão trágica.

Poderíamos, sim, tecer comentários sobre a estrutura psíquica do assassino em questão. Também poderíamos falar bastante sobre as marcas da sua história de vida e do seu peculiar modo de funcionar na sociedade. No contexto de toda a discussão, não poderíamos esquecer de sua especial predileção para com as meninas quando do seu ato de matar de forma selvagem. A aparência escolhida quando no momento do crime, bem como a análise cuidadosa do conteúdo da carta deixada minutos antes do seu suicídio também não poderiam ficar de fora quando o que se pretende é levar a discussão sobre as justificativas para tal ato, e aquilo que é inerente à constituição mental dos sujeitos, à exaustão. O conhecimento e estudo pormenorizado sobre o tema das armas também poderia se colocar como outro ponto valioso para o nosso debate. Acima de tudo: o motivo central se põe radicalmente fora do alcance da consciência de quase todos os que vem acompanhando tal assunto nos noticiários dos principais veículos de comunicação do Brasil e do mundo.
E é exatamente sobre esse último ponto que, ora, pretendo me deter nesse texto. Na verdade, não teríamos mesmo espaço hábil para esmiuçar todos os fatores que podem estar envolvidos com o triste ocorrido. A despeito de tudo, não há como se ter dúvidas: o ato criminoso seja ele qual for, por si, e de maneira quase redundante, tem estreita relação com o que se passa no interior do psiquismo, no mais íntimo da mente humana – com tudo aquilo que se traz de uma longa e pregressa vida tendo por base suas múltiplas experiências. O trágico caso envolveu um jovem com severos transtornos mentais de ordem notadamente psiquiátrica e também psicológica. E que muito pouco (mesmo quase nada!) se fez, ou se vinha fazendo para que ele tivesse um tratamento à altura da gravidade do seu quadro. O assassino de Realengo recebia nenhum tipo de tratamento para seus problemas. Problemas que já o colocavam no lugar de alguém muito estranho – com hábitos também não menos do que isso! – aos olhos de outros sujeitos que estavam ao seu redor. Restava-lhe tão somente a clausura de um quarto para a sua existência! Talvez pudéssemos dizer que, caso ele estivesse se submetendo aos tratamentos psiquiátrico e psicológico de forma sistemática (de verdade!), tal fato bárbaro não tivesse se tornado trágica realidade. Ao final, mais uma hipótese. Bem sei!
Paralelamente à tristeza decorrente das perdas irreparáveis, haveremos de negritar o fato do descaso para com as coisas do emocional, do psicológico, coisas as subjetividade humana em sua forma mais ampla e diversa. Descaso para com alguém que dá sinais evidentes de estar passando por situação de grave sofrimento psíquico. Convém lembrar que quase sempre o capital vem, na atualidade, prevalecendo em detrimento daquelas coisas que são mais íntimas no humano, e que determinam o seu particular modo de existir e sentir nas sociedades. Quase sempre os elementos que se ligam ao campo do ser (e não do ter!) são utilizados como motivadores de deboches variados. Pouco valor costumam receber! O exterior tomou posição de frente em detrimento do interior. De modo geral, as sociedades atuais vem desconsiderando o intangível e o essencial. Aquilo que é da ordem do concreto e inessencial vem assolando quase todos os sujeitos da contemporaneidade. Vivemos, na atualidade, o fatal descaso para com tudo aquilo que é da ordem das emoções mais humanas e verdadeiras. Sim. Sim. Sei bem que isso, ao final, soa como algo que se instala no campo daquilo que é piegas, mas é exatamente isso. Isso mesmo. E precisa ser dito desse modo! Um estranho, recluso em seu quarto e com comportamentos repetitivos passou despercebido aos olhos de muitos. Se não de todos! Como isso se explica? E no que tudo isso deu?!!
É fato: o cruel crime tido no bairro carioca nos coloca a pensar sobre aquilo que vimos fazendo conosco, com as nossas emoções e subjetividade, e também com as dos outros que, muitas vezes, estão muito próximos a nós. Ensina-nos sobre como vimos olhando para nós mesmos, e também para o outro semelhante. Sobre o lugar devido da saúde mental num mundo imagético, hedonista, da resolutividade, possessivo e consumista, do rápido atingir das metas, da pronta e expressa entrega e do eficiente autoatendimento. Para onde todas essas ideologias autossuficientes e autocentradas estão nos levando dia a dia? O hediondo caso dos adolescentes assassinados, sem chances alguma de defesa, nos ensina sobre o grau da loucura que as sociedades vem produzindo, ativando e detonando nos sujeitos de forma geral – isso já desde tenra infância! Até quando seguiremos desse modo?

Robson Mello

Um comentário:

  1. Oi amigo:
    Parabéns pela bela reflexão sobre a gravidade do abandono e excesso de descaso ao tema da Saúde Mental vivênciado hoje em nossa nação.
    Lembro-me que a Presidente Dilma, ao falar do assunto diante da mídia, no dia do ocorrido, solicitando um minuto de silêncio, chorando. Entendemos o motivo do "choro político", porém ela demonstrou que nada irá fazer para melhorar o tratamento à saúde mental, pois não disse o que seu governo poderá investir nessa área. Quem sabe, o governo poderia começar investindo em uma assistência interdisciplinar ao pré-natal, e assim expandir de forma acadêmica, para questões que norteiam à saúde mental.
    Muitas reflexões virão, esperamos que o governo apresente uma que reconheça a gravidade do problema, e direcione algo de congreto na ação do tratamento às pessoas que sofrem de algum transtorno mental.
    As lágrimas são das famílias que perderam seus filhos. Do governo, esperamos e cobraremos ações e respeito quando se falar em saúde mental, cidadania e nação brasileira.
    Vou levar seu texto para a aula de saúde mental que darei na de pós-graduação em Pedagogia Empresarial.
    Forte abraço amigo, e lembranças à família.

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