domingo, 7 de julho de 2013

Cartas do tempo.

“A gente só percebe como o tempo passa quando ele... passa.”  Dizia  Velho veterano de guerra naquele canto da biblioteca, enquanto recordava suas aventuras e lutas em plena Europa destruída.  Ele dizia que aquele havia sido o melhor momento da sua vida.  Naquele instante eu não compreendia como a morte, a desolação, perda de amigos, noites e dias inteiros em combate poderiam ser as melhores partes da vida de um homem que foi tão longe quanto aquele senhor, respeitável agente de um grande banco estatal.  Ele dizia com lágrimas nos olhos a saudade que sentia do cheiro da guerra.  Pouco tempo depois da nossa conversa ele morreu e o tempo passou.

Me encontro aqui na mesma sala da biblioteca municipal, apreciando os livros que escrevi e pensando em todas as histórias que não contei...  Mais ainda, recordando as aventuras que vivi, e martirizando as que me impedir de ter.  Trago hoje, em minhas mãos, um maço de cartas antigas, todas assinadas e seladas, porem nunca enviadas... Motivo? Medo de meus próprios sentimentos..  Porém , como pode um escritor como eu ter medo de seus próprios sentimentos?  Talvez a inconstância deles deva ser uma das razões.  Não esqueço o sorriso da  menina que um dia fiz chorar por conta do meu eu perturbado, um eu que ama e não aceita a condição humana do passageiro, afinal o tempo passa...

Escrevi minha vida toda sobre personagens míticos, assassinos, aventureiros, e brinquei com os sentimentos deles para assim, brincar com os de meus leitores.  Mas eu nunca enviei estas cartas...


A velhice chegou, e muitos dos endereçados já nem estão mais vivos... Amigos, amantes, pessoas que poderiam ser tudo na minha vida, mas apenas deixei passar pelo medo de passar.  Hoje entendo aquele velho combatente, entendo o porque ele sorria tanto em cada verso de sua poética memória sobre a grande guerra.  Pois ele aproveitou cada pessoa como se fosse seu último instante, viveu livre para amar e ser amado, odiar e ser odiado, tão difenrente de mim na estabilidade de minha cadeira de balanço...  A proximidade da morte o fez entender aos 20 anos o que eu só fui perceber enquanto acendia meu cachimbo hoje, aos 76 anos...  Passei minha mão em minha careca, senti minhas rugas, marcas que não pensei que viriam e que não me perdoaram.  Reli, então, cada uma dessas cartas e sofri a cada linha que faria alguém sorrir.  Meu mais belo livro, eu soluçava, ao ver que eu nunca publiquei.   Mas o tempo passou... 

Um comentário:

  1. Questões que levamos por uma inteira, quando erramos, quando deixamos de fazer algo que poderia ter sido feito. As nossas escolhas em meio a infinitas possibilidades, qual delas seria a melhor? Isso fica cada vez mais pesado no decorrer do tempo, as vezes rápido, as vezes lento é o que nos cobra resultados: de felicidade, de vida bem vivida, de deveres cumpridos... Mas não o tempo sozinho, é ele aliado a finitude de nossa existência.
    A conversa com o veterano que admite que a Guerra foi seu melhor momento e que sentia saudades daquilo, achei ótimo ter um personagem assim, achei irreverente e logo depois a comparação que anos mais tarde o narrador faz da sua vida com a deste senhor, em pensar que o veterano mesmo em meio a guerra sentiu emoção, a emoção de viver de sentir o momento. Enquanto ele com 76 anos, estava ali apenas com questionamentos do que poderia ter sido, das cartas que poderia ter publicado, questionando o medo que o privou de fazer tudo isso. É muito triste pensar que as vezes não somos corajosos o bastante para enfrentar nossos medos, de como o medo é aquele sinalizador instintivo que as vezes nos protege, mas também nos retém_ das melhores aventuras, dos melhores amores, das melhores barganhas, das melhores fatias de felicidade, das melhores gotas salgadas de lágrimas_ simplesmente por medo de sentir, de perder.
    A dor, a amargura e o arrependimento de não ter vivido aquilo que poderia ter sido.

    Está colocando sentimentos cada vez mais maduros para o seus contos, parabéns ^^

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