A democracia sempre foi um desafio
para o povo brasileiro, um desafio difícil de ser entendido e de ser
aceito. Não haveria de ser diferente em
uma sociedade marcada por diferenças, preconceitos, medos, ignorância e pelo
autoritarismo de Estado e das classes dominantes e médias. Costumeiramente no Brasil, sempre e que se há
um avanço democrático há uma contra resposta autoritária, retrógada de força
maior e qual tende a anular os avanços anteriores. Assim foi na revolução
Cabana, na inconfidência mineira, na revolta dos malês, na confederação do
equador, nas reformas de base de João Goulart e inclusive na proclamação da república.
Eis que o grande desafio se forma
para a jovem e problemática democracia brasileira. Aprender a segurar o impulso
autoritário, bem como a coexistência racional entre o antagonismo ideológico
que é natural de todas as democracias consolidadas ou seculares.
Para Robert Dahl, pensador inglês ícone
do século XX, em seu texto Poliarquia, a democracia se caracteriza basicamente
por dois elementos, quais segundo ele poderiam ser postos em um gráfico
cartesiano como as variáveis X e Y, onde X seria a participação da população e
y seria a livre expressão, aqui compreendida como a liberdade de oposições
entre os diferentes pensamentos. Quanto maior o nível das dos dois elementos em
uma sociedade, mais democrática se mostraria a mesma. Ou seja, é possível você
ter grande participação popular e não ter liberdade de oposições, como na Alemanha
nazista, e também é possível você ter liberdade de oposições e não ter
participação popular, como no segundo período da revolução francesa ou em
estados teocráticos.
Com esse conceito na mesa podemos
perceber que a nossa democracia ainda tem muito a caminhar, tanto no viés da participação
popular – afinal a direita recentemente, 28/10/2014, derrubou no congresso o
decreto que abria as instituições públicas para a participação popular - . E Principalmente na liberdade de oposição -
assunto qual irei me focar nestas linhas que seguem. Que consiste basicamente
em garantir que os opostos convivam e se expressem de democraticamente na
sociedade, ou seja, disputar de forma racional a opinião pública.
Com a liberdade de oposições é
possível ter uma sociedade em que o pensamento livre serve como balizador do
Estado e este não fica refém de um ou dois grupos políticos, pois tem o advento
da poliarquia, ou seja, várias fontes de opinião, oposição e de debate, deste
modo também formando um glossário de posições mais fidedigno ao complexo
cultural e político nacional.
Esta aí o desafio que foi
escancarado nesta eleição presidencial de 2014. A minúscula margem de diferença
entre os dois projetos “antagônicos” que disputaram a opinião pública abre
brecha, em uma democracia não consolidada, para o discurso autoritário,
revanchista e intervencionista.
A Inglaterra, apesar de não ser uma
república guarda um sistema democrático interessante, onde o primeiro ministro
é escolhido pelo partido que alcançou maior número de cadeiras no parlamento. E
de lá vem o exemplo necessário a este caso concreto. O parlamento britânico
possui 650 assentos, dos quais o Partido conservador – ocupou, nas ultimas eleições gerais onde foi a
agremiação mais votada, 306 cadeiras, ou seja, menos da metade da câmara e
menos da metade dos votos válidos. Por
esta, apesar de ser uma monarquia é uma democracia consolidada não houve o que
se falar em rompimento de ordem constitucional.
Este exemplo de livre oposição e de
não hegemonia política pode ser percebido em outras eleições e sistemas do
mundo, como na França em que o socialista Hollande foi eleito com 52,3% dos
votos válidos.
Cabe ressaltar que a superação
deste ponto não é algo exclusivo dos europeus e das democracias seculares,
inclusive para q os vira-latas não latam neste ponto. A pequena irmã Bolívia recentemente passou
por um grande momento de crise em que a alternativa autoritária foi posta em
marcha após a segunda vitória do presidente Evo Morales nas urnas em 2005, que
inclusive quase causou a divisão do país em um plebiscito unilateral nos
departamentos (estados) da “meia-lua” em detrimento dos departamentos andinos,
tradicionalmente mais pobres. No caso em questão o presidente Evo Morales não
apenas conseguiu contornar a situação, garantindo a unidade nacional com auxilio
diplomático da UNASUL, no vizinho andino como também inaugurou um novo momento
no constitucionalismo mundial ao fazer do estado Plurinacional uma realidade
positivada, qual hoje é defendida inclusive pela direita boliviana. Em novembro deve-se confirmar a vitória com
mais de 60% dos votos válidos para o terceiro mandato do ex-líder indígena a
frente do país, inclusive com vitória nos departamentos onde os conservadores
sempre foram hegemônicos.
Há, portanto, uma necessidade de um
novo salto na democracia brasileira para a sua efetiva consolidação: A construção
da livre oposição como um ônus e um bônus do Estado Democrático de Direito. Tal
pensamento só será internado na sociedade se as lideranças políticas de alta
cúpula e de base compreenderem a sua importância.
Daniel Gaspar